A mentira como estratégia

Mentir, infelizmente, é uma prática que marca o lado humano menos aprazível. É uma das habilidades que nem precisa ser ensinada, parece vir no DNA. Enquanto crianças, somos veementemente corrigidos pelos pais por causa de algumas mentiras mirabolantemente montadas para, por exemplo, não ir à escola.

Não é sem razão que muito antes de saber-se discernir entre a mão direita e a esquerda, é possível teatralizar uma situação e mentir aos pais, irmãos, avós, primos, tios, vizinhos, amigos, professores, enfim, a quem for conveniente a transmissão da lorota. Apesar desta debilidade, é fato que a fase da infância é a mais verdadeira da nossa trajetória. As expressões, reações e discursos são instantâneos e de uma sinceridade tão cristalina que chega a ferir.

Se uma roupa, penteado, sapato ou coisa que o valha não estiver no melhor equilíbrio estético para o gosto de um adulto, para uma criança nem estará ‘bonitinho’, a definição curta e grossa dita por ela doa a quem doer será: ‘está feio’. Simples assim.
Apesar da contundência da verdade infantil, à medida que crescemos, passamos a ponderar que a mentira pode: 1) trazer lucros imediatos; 2) provocar menos danos relacionais (a curto prazo) nos grupos dos quais se participa; 3) permitir a transferência de culpa por uma situação ruim; 4) procrastinar o confronto com uma avaliação externa. Com isso, a mentira tem um sabor de mel à boca e de fel no estômago.

Claro que os pais em um momento ou outro até dizem: ‘Se você falar a verdade, nem vou te colocar de castigo!’ Em algumas situação até adianta, mas em outras, a verdade passa a ser um argumento pouco atrativo, que traz resultados pouco interessantes, então, sofre-se o castigo, mas mantêm-se a mentira.
Ela, a mentira, se manifesta em coisas corriqueiras como quando uma criança atende o telefone em casa, o interlocutor perguntar quem é, o atendente responde, transmite ao adulto e o pequeno secretário é instruído a responder: ‘Diga que não estou’.

As intervenções dos pais são realizadas com o objetivo de contribuir na formação de homens e mulheres que tenham a palavra como maior valor pessoal, a honra como patrimônio inalienável e a preservação do bom nome como projeto social independente das atribuições que se exerça ao longo da vida. Se a verdade é tão positiva e a mentira é tão pródiga em fatores negativos por que mente-se tanto?
Minha dedução é que a mentira traz resultados mais rápidos que a verdade. A mentira é um tapete sintético fácil de instalar, enquanto a verdade é como uma grama que exige cuidado e manutenção.

Pela mentira, é possível ocupar a posição em cima do muro para agradar gregos e troianos. Enquanto a verdade obriga a tornar público o lado que se quer estar. Isso, nem sempre isso é interessante. Afinal, se eu disser a Chico e a Francisco o que realmente penso deles posso ficar sem a benemerência dos dois. Então, acabo fazendo o beija-mão a ambos.
A mentira permite, ainda, buscar culpados para qualquer situação. Voltando à infância: Pedrinho e Paulinho estão brincando com o caminhão de Andrezinho. Quando o brinquedo quebra por um movimento abrupto de Paulinho a brincadeira pára. O dono vai atrás para saber o que aconteceu e algum adulto vai junto. Quando indagados: ‘Quem quebrou?’, os dedos se cruzam, os olhares também e as vozes, em jogral, respondem: ‘Foi ele!’.

Na maior parte das vezes, os pais ou responsáveis acabam relevando a situação por não conseguir identificar o mentiroso no primeiro momento. Com a mentira, a culpa fica sendo transferida e qualquer punição é adiada.
Contudo, os pais relevam até certo ponto porque, passado um tempo, o mentiroso se entrega involuntariamente. Embora a mentira tenha resultados de curto prazo, ela é fraca em si mesma e, ao que parece, viciante. Por isso, os mentirosos estão sempre com novas cartas mentirosas na manga. Uma coisa é certa, como diz o adágio popular: “a mentira, tem perna curta”.

 
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