Doutores de Cuba

BRASIL Saúde Pública

DOUTORES DE CUBA
Doentes do interior são atendidos por médicos cubanos por falta de brasileiros

*Leonel Rocha

Inaugurado no começo de 1995, o único hospital de Arraias, um município muito pobre com apenas 12.000 habitantes fincado no Estado do Tocantins, teve de permanecer fechado por quatro anos. O motivo não poderia ser mais bizarro. Faltavam médicos que quisessem aventurar-se por aquele fim de mundo. O que o hospital oferecia não era desprezível: salário inicial de 2.000 reais e ajuda para moradia.

Só há onze meses o hospital foi finalmente reaberto. O milagre veio de Cuba. Enfim, Arraias conseguiu importar cinco médicos da ilha de Fidel e, assim, abrir as portas do hospital. Não é um caso isolado. Outros hospitais de cidades que nem no mapa podem ser identificadas, como Augustinópolis, Dianópolis e Miracema, todas no Tocantins, também ficaram anos fechados e só foram reabertos após o desembarque da tropa vestida de branco de Cuba. Hoje, já existem 166 médicos cubanos espalhados por favelas de grandes cidades e nos mais distantes municípios de Estados como Roraima, Pernambuco e Acre. A maior concentração, com 56 médicos, fica no Tocantins.
Eles alegam motivos missionários para deixar cuba e se embrenhar em regiões de outros países. "Fazemos isso porque somos socialistas e exercemos uma espécie de militância da medicina", diz Filiberto Ares, primeiro secretário da Embaixada de Cuba. Pode ser, mas não há como negar que, fora de Cuba, eles podem juntar um pouco de dinheiro e ter acesso a melhores condições de vida do que conseguiriam na ilha do comandante Fidel Castro.

O salário mensal de um médico em Cuba corresponde a 550 pesos cubanos ou 25 dólares: cerca de 50 reais. No Brasil, eles ganham no mínimo 2.000 reais. Bom negócio, com certeza. O casal de médicos Moiséis Morejon e Rosa Salop, por exemplo, desembarcou em Miracema, interior do Tocantins, onze meses atrás. Nunca tinham visto um doente de leishmaniose na vida e o desejo deles é conseguir fazer uma pequena poupança para, quando voltarem a Havana, trocar o carro e comprar alguns eletrodomésticos novos para a casa.

Outro casal, Armando Castilho, cirurgião, e Carmen, clínica geral, sonha com um computador novo. A clínica geral Suzana Hage, 37 anos, há dezoito meses na cidade de Porto Nacional, no Tocantins, que já tratou até de picada de cobra venenosa, coisa que não existe em Cuba, sente falta do mar, mas afirma que o esforço vale a pena. O pediatra Joaquim Roman, de 63 anos, que está em Porto Nacional há um ano, já passou por vários países africanos e agora está no Brasil. Ele refuta a idéia de objetivo material em suas peregrinações. "Meu interesse é a ciência", diz.

Os cubanos são bem-vindos, mas existe um problema. A contratação desses médicos é irregular perante as leis do Brasil. Eles precisam da revalidação do diploma numa universidade brasileira para atuar no país. Com base nessa desculpa burocrática, o Conselho Federal de Medicina denunciou as contratações ao Ministério Público pedindo o cancelamento dos convênios: "Não somos xenófobos, mas não há motivo para trazer médicos de fora e tirar o emprego dos profissionais daqui", diz Edson de Oliveira Andrade, presidente da entidade. O doutor Andrade e seu douto conselho deveriam explicar então por que faltavam médicos brasileiros nas cidades miseráveis que agora estão sendo atendidas pelos cubanos.

Fonte: Veja, edição 1620, 20 de outubro de 1999, pp. 52 e 53

 
Design by Wordpress Theme | Bloggerized by Free Blogger Templates | coupon codes