Para além dos cubanos: o totalitarismo de resultados

Por Paulo Rosenbaum*

A polêmica do programa mais médicos agora se direciona francamente ao ideológico. E, a rigor, talvez não seja exatamente um erro, mas um enfoque problemático. Pesquisas encomendadas pelo governo mostram aprovação da vinda de profissionais de outros países, mas está no mesmo escopo da pesquisa que traz a pergunta “você é a favor do combate a corrupção?”ou  “concorda com uma reforma que modernize o país?”. Quem acha que as pessoas não apreciariam que todos tivessem atendimento médico decente? Está na constituição, consta que é um motivos da existência do SUS, enfim, uma das poucas coisas em que há consenso é que a medicina não pode ser submetida às estruturas econômicas mercantilistas.

Então por que tanta polêmica com a vida dos estrangeiros e particularmente dos cubanos? Em debate recente um ex-ministro da saúde disse que eles viriam por “questões humanitárias”. Questões político-partidárias teria sido uma resposta mais próxima da sinceridade.
Na verdade, tudo isso estava sendo articulado bem antes das manifestações, especialmente com dirigentes da ditadura cubana. O governo federal só esperava a oportunidade propícia para anunciar o convênio secreto. E achou que a teria achado em meio aos dias de pressão máxima, quando as manifestações e o desafio ao poder atingiram o perigeu.

O problema é menos que estes médicos estão vindo em condições legalmente suspeitas, e muito mais os critérios adotados por um poder que acha que pode passar por cima de todas as instituições que representam a sociedade para fazer valer sua vontade através de medidas provisórias. A palavra certa para os empreendimentos desta administração. Provisoriedade. Desprezo pelos critérios técnicos, manipulação da opinião pública e troça à seriedade institucional. Esta é a história natural das medidas cosmético-populistas do lulo-lulismo que gradualmente substitui o lulo-petismo.

Nem merece voltar a discutir que os 400.000 médicos pátrios já seriam suficientes para satisfazer os critérios recomendados pela OMS, ou de que não ajuda muito que estes profissionais sejam agraciados com um regime especial e passem por cima das avaliações e certificações dadas pelas instituições médicas de ensino. Exigências conquistadas à duras penas e que sempre visaram proteger a população. A única forma de poder aferir habilidades e a capacidade de gente que cuida da saúde para oferecer atendimento decente. Na radicalidade, pode-se afirmar que atendimento médico mal feito pode ser pior do que nenhum.

Tudo isso é periférico frente à questão central, obscurecida por picuinhas insignificantes. O que vale mesmo ser discutido é o totalitarismo de resultados que o executivo implementa no país, visando angariar votos e projetar-se adiante através de medidas-tampão. Trata-se de mais um lance de teor autoritário que evidencia o desprezo pelo debate e outro golpe baixo desferido contra o diálogo.
Entre as cartas à redação que o jornal recebeu, estava uma que dizia algo como “nem que estes médicos fossem mudos deveriam vir para tentar melhorar os indicadores de saúde”.

Mas não é a mudez que preocupa, o perturbador é a surdez coletiva aos desmandos.

Paulo Rosenbaum é médico e escritor. Mestre e PhD em ciências, é pós-doutor em medicina preventiva (USP). É autor de "A Verdade Lançada ao Solo" (editora Record). Tem uma coluna semanal em "Coisas de Política", do Jornal do Brasil.

 
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